sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Um pouco de história - Século I ao XV EC

Dando continuidade à pequena revisão histórica do desenvolvimento dos relógios de sol, tento resumir nesta postagem os principais acontecimentos e descobertas que ocorreram do século I ao XV para Era Comum.

Século I ao XV

Menelau de Alexandria, no início do século II, estabelece a trigonometria esférica abrindo, assim, caminho para cálculos mais acurados. Por sua vez, Ptolomeu (87 – 151) defende a posição grega de que a Terra era o centro do universo. Posição esta que permaneceu como dogma por mais 1500 anos, e a idéia da Terra esférica caiu no esquecimento, voltando a aparecer apenas durante o Renascimento.

No início da Era Cristã a gnomônica ainda se valia dos conhecimentos helênicos; porém, logo se inicia um período de decadência, visto que no período compreendido entre a queda do Império Romano e o Renascimento, entre os séculos V e XV, no ocidente a ciência e arte dos relógios de sol foram caindo no esquecimento, ao ponto de praticamente serem perdidos. Não existem muitas evidências arqueológicas, nem mesmo testemunho escrito, de que algum avanço tenha sido feito nesta ciência, sendo raros os exemplares remanescentes desta época. Talvez o relógio de sol da catedral de Chartres, França, construído em 1378, seja um dos poucos testemunhos desta época. Contudo os séculos não são perdidos, pois avanços são feitos pelos árabes e chineses.

Os árabes fazem uso de princípios de trigonometria no projeto de relógios de sol. No século VIII, Abul Hassan escreve sobre o desenho de linhas horárias em superfícies cilíndricas e cônicas e introduz o princípio das horas iguais para fins de cálculos astronômicos.

Monges do norte da Inglaterra escrevem, por volta do ano 850, o Tiberius Horologium, onde forneciam os comprimentos das sombras para diferentes épocas do ano.

Por volta do ano 900 o astrônomo árabe Al-Battani1 (850 – 923) resolve pela primeira vez o triângulo esférico e recalcula a duração do ano e chega ao valor de 365 dias, 5 horas, 46 minutos e 24 segundos. Também refina os cálculos para a precessão dos equinócios, chegando a 54,5” por ano ou 1° a cada 66 anos, e para a inclinação do eixo da Terra, estabelecendo o valor de 23° 35’. Na mesma época Thabit Ibn Qurra2 (826 – 901) determina a duração do ano sideral com um erro de apenas 2 segundos – 365 dias, 6 horas, 9 minutos e 12 segundos – e também escreve os manuscritos Descrição das figuras formadas pela extremidade de um gnômon em seu percurso em um plano horizontal em todos os dias e em todos os lugares3 e Livro sobre os instrumentos que indicam as horas chamados relógios de sol4.

Já ao redor do ano 1000, os árabes começam a incorporar o conhecimento ocidental, especialmente dos gregos. Diversos textos científicos e filosóficos forma traduzidos para o árabe. Treze livros chegaram ao nosso conhecimento e entre eles um do século XIII, de Al-Marrakushi5, que pela primeira vez menciona o uso do gnômon orientado para o pólo, ou seja, paralelo ao eixo terrestre, e o uso de horas iguais. Esta modificação aparentemente simples foi um dos maiores avanços da gnomônica – e é muitas vezes denominada como a “grande descoberta da gnomônica moderna” –, pois fez com que fosse possível a utilização de linhas horárias e horas iguais, ao invés das temporárias em uso até então. A partir deste momento os relógios de sol se transformam em dispositivos realmente precisos. Ainda hoje se utiliza o gnômon paralelo ao eixo terrestre. Porém, descoberta demorou bastante para chegar à Europa. Provavelmente, os mais antigos exemplares, que ainda existem nos dias de hoje, sejam os encontrados na Alemanha e Áustria, que datam do período de 1440 a 1460 [ref. 1, página 6].

Omar Khayyam6 (1048 – 1131), matemático e astrônomo persa, determina, entre outros feitos, que a duração do ano é de 365,24219858156, ou seja, um erro de apenas 1 minuto. Na China o astrônomo, matemático e engenheiro Zhou Kung (1231 – 1316) ergue um gnômon de 12 metros para estudar a sombra produzida pelo Sol. Ele também determinou a duração do ano como sendo de 365,2425 dias, duração esta que coincide com a do calendário gregoriano, adotado quase 300 anos depois.

Em 1288 o astrônomo judeu Jacob ben Machir ibn Tibbon7 (1236 – 1304) desenha um quadrante que permite a determinação das horas a partir da altitude do Sol ou de outra estrela.

Ibn al-Shatir (1304 – 1375), astrônomo árabe, constrói em 1371, para a mesquita de Umayyad em Damasco, um relógio de sol com o gnômon paralelo ao eixo de rotação da Terra. Este é, provavelmente, o mais antigo relógio de sol com eixo polar que ainda existe.

Em meados do século XV, com a invenção da imprensa8 por Gutenberg9 (1398 – 1468), a divulgação científica de um modo geral e, conseqüentemente, a construção de relógios de sol, teve um grande impulso. Eram trabalhos que exigiam, além de habilidade artística, conhecimentos sobre o movimento aparente do sol e eram, até então, segredos bem guardados, visto que os seus construtores ganhavam somas importantes da nobreza para a sua construção.

No final do século XV uma nova luz é lançada sobre as ciências e o pensamento humano, fazendo com que gradativamente a sociedade ocidental saísse do período de escuridão onde até então viviam.


Comentários:


  1. Abu 'Abdullah Muhammad ibn Jabir ibn Sinan ar-Raqqi al-Harrani as-Sabi' al-Battani
  2. Abu'l Hasan Thabit ibn Qurra' ibn Marwan al-Sabi al-Harrani
  3. Description of the figures formed by the extremity of a gnômon in its passage on a horizontal plane, in all the days, in all the places
  4. Book on the instruments which indicate the hours, called solar dials
  5. Ali Ibn Omar Abul-Hassan al-Marrakushi
  6. Ghiyath al-Din Abu'l-Fath Omar ibn Ibrahim Al-Nisaburi Khayyámi
  7. Também conhecido por Profatius, seu nome latim
  8. Na China a imprensa já era conhecida desde o século IX, ou seja, quase 600 anos antes da invenção por Gutenberg em 1447.
  9. Johannes Gensfleisch zur Laden zum Gutenberg


Referências:


  1. JONES, L. E. The sundial and geometry: an introduction for the classroom. North American Sundial Society, 2005. Disponível em: <http://www.wsanford.com/~wsanford/temp/its-about-time/FS_SundialAndGeometry_v2.pdf>. Acesso em: setembro de 2006.


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